"Camões foi um grande amador, gostava muito de mulheres e uma das razões de ele estar sempre na prisão era exatamente porque ele tinha vários problemas com mulheres, sobretudo casadas (...). Ele chega em 1567, não tinha dinheiro para continuar a viagem para Portugal, não tinha dinheiro também para viver na Ilha de Moçambique", descreveu o académico moçambicano Lourenço do Rosário, em declarações à imprensa, após proferir a palestra da abertura do segundo congresso sobre os 500 anos de Camões.
Moçambique acolhe o segundo congresso dos 500 anos do nascimento de Luís de Camões, dando ênfase à relação do poeta português com o oceano Índico e o território moçambicano.
Lourenço do Rosário, ensaísta e professor de literatura, disse que Camões foi acolhido "no Macúti", casas construídas com material local, "pelas mulheres muthianas" (mulher, na língua local de Nampula), quando chegou à Ilha de Moçambique.
"Ele faz aquele poema 'Endechas a Bárbara Escrava', que é um dos mais lindos poemas que escreveu sobre mulheres, portanto Camões sabia cantar a mulher", acrescentou Lourenço do Rosário.
O ex-reitor da Universidade Politécnica de Maputo e também membro de júri do Prémio Leya criticou Portugal por não valorizar os feitos de Camões para o império português do oriente, defendendo que não se pode "alienar esta realidade" de que o poeta "começou a escrever e terminou as suas obras em Moçambique".
"Então, temos essa obrigação de resgatar essa leitura de Camões e ir ver o que ele de crítico tinha em relação à presença de Portugal no império do oriente", disse o professor, pedindo pesquisa para assegurar a presença de Camões nas escolas a partir da sua ação no oriente.
A partir dessa perspetiva, Lourenço do Rosário lembrou também que Camões deve ser visto em Moçambique como alguém que foi "preso, expulso e degredado", que lutou como militar e viveu pobre, tendo ado por "privações" no oriente, antes de Portugal o apresentar ao mundo como um "grande poeta português".
Lourenço do Rosário pediu mais pesquisas para influenciar as decisões políticas face à presença de Camões nos programas de ensino no país. "É preciso valorizar aquilo que é nosso, e Camões é nosso, porque ele escreveu aqui".
"Há toda uma geração, grupo de [Eduardo] White, Nelson Saúte, Rui Knopfli, sobretudo os poetas que estão ligados à Ilha de Moçambique, têm muita influência da escrita do Camões, do olhar do Camões sobre o mundo, não só do ponto de vista do amor, mas também sobre a crítica social, portanto, acho que os pesquisadores moçambicanos têm muito material para descobrir e influenciar os nossos manuais escolares. Não aquele Camões heroico de Portugal, mas o Camões nosso, de Moçambique", disse.
O embaixador de Portugal em Moçambique, também presente na abertura do congresso, destacou o movimento académico no enaltecimento de Camões como um "elemento unificador" de uma cultura e língua que "não é só dos portugueses", apontando o poeta como "símbolo de projeção da comunidade de falantes do português no futuro".
"É uma importância global para toda a gente que fala, que comunica em português, mas como estamos em Moçambique eu diria que é especialmente importante para Moçambique, dada a ligação de facto provada historicamente", disse António Costa Moura, apelando a mais investimentos em estudos sobre Camões para expandir a língua portuguesa.
"Esse investimento na língua faz-se através do ensino, da educação e da cultura, daí a importância que, como embaixador neste país há quatro anos, tenho vindo a colocar no fortalecimento, na diversificação de atividades, na componente da formação a desenvolver pela Escola Portuguesa de Moçambique", defendeu, acrescentando que português deve ser "língua franca" em Moçambique, sobretudo para comunicar com o mundo.
A Rede Camões em África e Ásia, que promove e incentiva estudos e publicações sobre Camões, realizou o primeiro congresso sobre os 500 anos do nascimento do poeta no ano ado, em Macau, sendo que, para 2026, se pretende levar o mesmo evento para Goa, fazendo um périplo por lugares onde este ou e viveu, explicou a organização.
Nascido há 501 anos, em 10 de junho de 1524, em Lisboa, o poeta-soldado Luís Vaz de Camões viveu e escreveu cerca de dois anos na Ilha de Moçambique, na antiga rua do Fogo, onde também terá sentido que o amor "é fogo que arde sem se ver".
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